Hoje, dia das crianças relembro a que fui,
quieta, pouco brincava passava o maior tempo observando os adultos, atenta aos problemas, muito só em meio a tantas pessoas. Gostava de subir em árvores sem medo de ir mais alto e de lá ficava tentando ver bem longe, a torre de uma igreja, um prédio mais alto. O quintal era grande e tinha muitas árvores frutíferas, as jabuticabeiras eram minhas preferidas, primeiro os troncos ficavam cheios de caroços como se tivessem adoecido, depois vinham as flores e o perfume delicioso se espalhava, vinham as abelhas e derrubavam parte das flores forrando o chão como tapete branco. As flores davam lugar a muitas bolinhas verdes que cresciam a olhos vistos mudando de verde para marrom claro para depois cobrirem todos os troncos de um pretume só. Era muito bom pular até alcançar os galhos e segurando firme ir se deliciando com tamanho sabor. Eram tantas, eram muito pretas, eram deliciosas. Até que iam diminuindo, ficando só nas pontas dos galhos onde alcançar era muito difícil e por fim ficava olhando aquela bem grandona muito alta até murcharem sugadas pelos pássaros.
O que faz uma criança se sentir tão só? Vivia muito para dentro de mim, conversava comigo mesma e cantava muito, sem abrir a boca, sem soltar um som. A impressão que eu tinha era que vivia num buraco bem fundo e meu sonho era crescer até colocar a cabeça de fora e poder enxergar o mundo. Eu queria nascer, eu queria enxergar, eu queria entender.
Às vezes eu acho que ainda não entendi.
